CURANDO AS DORES DO MUNDO
Eu sou eu quando eu quero e até quando eu não quero ser, na dor e no prazer, curando as dores pelo percurso e ainda procurando um nome definitivo para essa newsletter
Quando chegou o momento de escolher o nome para essa newsletter, o meu cérebro começou a criar palavras aleatórias. Aleatórias mesmo! Comecei a anotar, para depois pesquisar se eram realmente obras dessa massa encefálica ou algo que eu ouvi (ou li) e ficou guardado no meu subconsciente.
Para vocês terem uma ideia, a primeira foi Urirapa, que eu acredito ter saído da minha cabeça, porque não me lembro de ter visto, em algum momento da minha vida, algo sobre a República de Vanuatu, país formado por 83 ilhas na Oceania. Uma delas, particular e inabitada, que pertence à província de Sanma, chama-se “Urelapa Island (also Urirapa Island)”, me revelou o Deus Google!
Em uma ida ao banheiro, durante o trabalho, surgiram três nomes! E eu tinha ido mijar! Eu estava adorando essa brincadeira. Passei a sentar e me concentrar em realmente só fazer isso por um tempo, misturando idiomas diferentes e o caralho a quatro. Um dos nomes que saiu, entre tantos, foi esse: Umbalaien, a junção de mba'epu - “música” em guarani; laisi - “sem” em iorubá e lien - “nexo” em francês.
Mas o problema é que eu não tinha norte, não sabia onde queria chegar. Então, por mais que algumas dessas invenções tivessem uma boa sonoridade ou até tivessem começado com algum rumo, eu não conseguia dizer se eram boas ou não.
Alguns dias depois, Julico (músico, compositor e produtor musical) postou um vídeo no Instagram, em que ele explica o nome do seu último disco, Onirikum, durante uma entrevista: “Foi um neologismo que eu criei para representar o álbum. É sempre difícil batizar um álbum com um título que sintetize toda uma obra. Onirikum, para mim…”. É isso! Eu não tinha me dado conta que o sentido que eu daria era mais importante que a própria palavra que eu criaria. E foi por aí que eu comecei.
A palavra que vai dar nome a essa newsletter, para mim, representa um momento de me abrir de corpo e alma, como Robbie Williams no clipe de Rock DJ. Reconhecer todas as minhas qualidades e defeitos, vasculhando fundo nas entranhas tudo o que eu construí e tudo que me construiu nesses quase 38 anos de vida, com muitas alegrias e várias tristezas. Aceitar e entender o que é torto, para conseguir olhar de outra forma. Mas, principalmente, saber que é torto, assim como todo mundo é torto do seu jeito.
Hoje, o significado dessa palavra vai ficar aqui, exatamente neste lugar, para dar espaço a um novo significado, que chegará com a próxima publicação. A palavra que vai dar nome a essa newsletter, portanto, vai representar diversos momentos, únicos, cada um em seu devido tempo e espaço, abrindo, por sua vez, o caminho para um novo percurso (e significado).
E é assim que eu vou curando as dores…
PRA CURAR A DOR DO MUNDO, Marcelo D2
“…
O que eu vi, sou eu
O que eu senti e o que eu sofri, sou eu
Sou eu quando eu quero e até quando eu não quero ser
Por isso, eu só morro quando o meu samba morrer
Sou eu andando fora da linha
Sou eu andando nos trilhos
Sou eu no sorriso dos meus antepassados
E também no sorriso dos meus filhos
Sou eu na dor e no prazer
Por isso eu só morro quando o meu samba morrer
Eu sou a força da minha mãe e a fraqueza dela também
Sou a alegria do meu pai e a tristeza dele também
Sou novo, tradição, sou rap, samba no pé
Soldado filho de Ogum, certeza do meu axé
De tudo que passou por mim, eu sou o que eu posso ser
Por isso, eu só morro quando o meu samba morrer”
(Algum dia eu espero ter a oportunidade de perguntar para o D2 o motivo de escrever os títulos em Caps Lock. ESTÁ GRITANDO PARA O MUNDO TODO OUVIR? Eu responderia isso)
URUGUAI
No fim do ano passado, depois de muito compartilhar com a Isa a minha vontade de viajar de carro para o Uruguai, acabei indo. Tomei a decisão definitiva uma semana antes da partida, o que resultou em uma chegada no país vizinho sem ter sequer o dinheiro deles, o Peso Uruguaio, em mãos. Na primeira noite em Valizas, um vilarejo simples que mal tem energia para todas as casas, muito menos máquina de cartão, eu precisei contar com a camaradagem do dono da creperia, que me deixou voltar outro dia para pagar a conta.
Mas lá no começo, nas demoradas dezoito horas que levei para ir de Maringá, no Paraná, até o Farol de Santa Marta, em Santa Catarina (oito a mais do que o Google tinha calculado - por isso eu sou ateu), eu já percebi que ia dar bom. Conseguindo andar ou parado nos congestionamentos, eu lembrei como é bom estar acompanhado “apenas” de música.
Assim como toda a preparação da viagem, a principal playlist foi feita às pressas: Ogi/D2/Jorge Ben/Planet. Tão atrapalhada, que o BNegão, que estava nos planos desde o início, não está no título. Joguei alguns discos desses artistas e pronto. Depois entraram dois projetos do Pupillo, músico e produtor que merece um texto à parte.
Escutava alguma coisa diferente aqui e ali, uma playlist coletiva que o Marcelo Domingues iniciou em um grupo de whats e outras coisas que ia encontrando nas horas e horas de congestionamento. Mas o grosso eram aqueles primeiros músicos. E foram eles que me acompanharam em Cabo Polonio, uma vila lindíssima localizada dentro de uma reserva natural, o que impede a construção de qualquer outra edificação e “avanços tecnológicos”, como energia. Os postes que passam entre as casas simples do lado norte do vilarejo vão direto para o farol, que é gerenciado pela Marinha do Uruguai.
Nas pedras do farol, os lobos-marinhos passam o dia descansando em diferentes posições, parece até que estão posando para as fotos. Não estão, a gente só está atrapalhando a vida deles. Mas eles continuam em diferentes poses, até mesmo para as fotos dos filhos da puta que não respeitam a distância que as placas pedem que nós, seres humanos, fiquemos.
Quando eu comecei a andar pela Playa Norte, em direção às dunas, eu não imaginei que aquela solidão, sem civilização ao alcance da vista, me afetaria tanto. Cheguei no alto de uma delas (elas são meio avermelhadas) e fiquei dando voltas em torno de mim mesmo, olhando a paisagem sem fim em todos os cantos, sorrindo e rindo como um idiota. Um idiota feliz. Só parei para dançar com Jorge Ben, que começou a tocar Morre O Burro, Fica O Homem.
Eu não estava nem conseguindo entender direito o que estava acontecendo, mas fiquei ali um bom tempo, olhando, maravilhado. Às vezes, acompanhava Jorge Ben.
Quando desci e comecei a voltar para a vila, ainda andando pela Playa Norte, Marcelo D2 cantou PRA CURAR A DOR DO MUNDO… Porra! “Quer me foder? Me beija, caralho!” Na mesma praia que eu dançava há pouco, agora eu chorava, sozinho, andando, feliz como eu não me sentia há anos. E continuei chorando e andando até chegar ao outro lado da vila, quando BNegão mandou O Mundo (Panela de Pressão), sem Caps Lock. Ainda bem, porque terminou de me foder.
O Mundo (Panela de Pressão), BNegão & Seletores de Frequência
“…
O mundo do jeito que tá / As coisas do jeito que tão / O mundo do jeito que é / As coisas do jeito que são / Pra desistir é muito fácil / Joga a toalha / Vende a bandeira / E corre pro abraço, vai
O monstro é grande, sim / Mas não é invencível / Pois esse império é artigo perecível / Independente disso / Faça o que tu acredita / Pois o mundo fica mudo / A cada alma que abdica
…”
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Foi assim mesmo… um silêncio total na minha mente durante um bom tempo. A cabeça no modo mudo.
Até chegar a Montevidéu. Aí ela foi voltando aos poucos e eu também me dei conta de que estar em uma cidade nova, conhecendo histórias e músicas novas, entrando em um “mundo novo”, também faz parte da minha felicidade e é movimento pra vida.
Na ida, ainda no Brasil, enquanto eu postava fotos dos congestionamentos, o Rodriguinho, meu querido e amado amigo de infância, músico de qualidade incontestável, apresentador do podcast Muito mais baixo, me disse, assim que soube que eu estava indo para o Uruguai: “Vai em algum sábado a tarde na Calle Isla de Flores, em Palermo, assistir uma llamada de Candombe”. Saiu só coisa linda disso…
Um abraço demorado e um beijo no olho.
Lembrem, a playlist ainda sem nome definitivo está atualizada.